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domingo, 11 de outubro de 2009

Mihanovich: experimentações e a musicalidade sem barreiras

Teatro, criatividade, boêmia, jazz eram elementos presentes na vida de seus pais. A arte e a música sempre estiveram por perto do guitarrista, arranjador, compositor e produtor e CEO (Chief Executive Officer) da Mendigo Records, Alexandre Mihanovich,45,onde começou estudar bateria com o professor Chumbinho no Centro Livre de Aprendizado Musical-CLAM. Porém, o guitarrista descobriu a sua fascinação pela guitarra após ver um hippie tocar violão sentado na plataforma da rodoviária de São Sebastião, durante as suas viagens para Ilha Bela.

Mihanovich não lembra de ter ouvido nada. Apenas permaneceu o registro visual e era impossível ouvir o som do violão pois o do barulho do motor do ônibus da Viação Pássaro Marron era bastante intenso. Ao chegar na capital paulista, o jovem imediatamente procurou Armando Mihanovich, seu pai, e pediu para que ensinasse alguns acordes do violão.

Armando ensinou algumas notas ao seu filho e o matriculou novamente no Centro Livre de Aprendizado Musical-CLAM e fez aulas com a professora Mara. Sua mãe o presenteou com um cassete e uma fita do guitarrista Joe Pass onde Alexandre tirava alguns solos com uma palheta de papel.

Sua professora percebeu o desejo de Mihanovich em aprender a guitarra. Logo, Mara o transferiu para as aulas com Ulisses Rocha, onde a guitarra Fender, foi o primeiro instrumento que o então jovem aprendiz se encostou, uma sensação nunca mais repetida e segundo Alexandre, muito melhor do que o primeiro beijo.

Mihanovich continuou com as aulas de guitarra com Ulisses durante três anos "eu o admiro muito e agradeço por ter sido meu professor, pois é um cara honesto e verdadeiro, o que é raro, além de um excelente músico - hoje tocando coisas no violão que eu não saberia como imitar", disse o guitarrista. Depois prosseguiu seus estudos como autodidata, tirando algumas músicas tocadas e compostas por George Benson e outros guitarristas referenciais.

Alexandre tentou morar em Nova York em 1987, mas voltou frustrado e psicológicamente arruinado. Daí, seu pai disse: " Então agora pare com essas bobagens e vamos trabalhar de verdade".Imediatamente o guitarrista entrou para a Avant Garde,onde permaneceu por 11 anos , estúdio de gravação de trilhas publicitárias e aprendeu a compor músicas para propaganda.

" O Cyro Pereira era o maestro do estúdio e com ele, e meu pai, fui aprendendo a fazer o que precisasse em termos de estilos de música etc.", disse o músico onde compos uma trilha, um spot para a Tabacow, e ganhou uma premiação em Nova York. "Claro que eu não fui a Nova Iorque receber o prêmio, quem recebeu foi o diretor de criação da agência, como sempre",desabafa o músico.

Erudito e novos negócios

Durante o seu período na Avant Garde , o maestro Thomas Lawerence aparece na agência. Logo, Mihanovich, com receio da palavra composta " maestro americano", demorou um ano para ligar para o maestro. Logo, após deixar a Rebop, banda que tocava junto com o baterista Bob Wyatt, acabou estudando contra-ponto e análise por seis meses. Quando Lawrence partiu para Nova York , mantiveram contato por fax, na época não havia e-mail.

Mihanovich tomou a decisão em estudar com Thomas para entender a "outra estética" como o maestro falava durante as conversas." Como o jazz era o poste central, eu precisava me afastar dele para não confundir as bolas", disse o músico.

"A música clássica é realmente uma outra estética. Hoje o jazz voltou a ser o poste central, aliás com mais força que antes. Tendo estudado a música clássica - e continuando a estudá-la até hoje - posso afirmar sem medo que o jazz é a música mais erudita, inteligente, difícil e avançada que existe", reforça o guitarrista.

Em 2000 Alexandre fundou o estúdio Junk com mais quatro amigos. Em 2005, vai embora de São Paulo , "isso é uma outra estória", disse o guitarrista.

Arranjos para Big-Bands


Mihanovich sempre foi fã do Thad Jones, por influência de seu pai e considera a Thad Jones & Mel Levis Jazz Orchestra bastante criativa e com muito swing que já existiu. "Thad é de longe o arranjador predileto", disse o músico.

Nunca passou pela cabeça de Alexandre escrever arranjos musicais para big-bands. Uma vez, o músico precisava compor uma trilha de propaganda e era necessário o som de um grande grupo de sopros. Como o guitarrista não tinha a menor idéia para escrever ,chamou Wilson Teixeira, Nahor Gomes e mais um trombonista para ajudá-lo nessa empreitada.

"No estúdio eu só fiz um esquema mais ou menos e fomos improvisando vozes até parecer uma big band. A Sara Teixeira, mãe do Wilson, ouviu a peça, gostou e me pediu pra fazer arranjos pra um disco dela. Seria gravado no mesmo esquema improvisado, mas na época o Edmundo Cassis, pianista que me tinha sido apresentado pelo Lito Robledo, tinha um livro de análise de arranjos do Thad Jones, Sammy Nestico e Bob Brookmeyer. Ele me emprestou esse livro e eu então descobri a maravilha e os segredos do "som" da big band. Fiquei maluco e começei a estudar e escrever alguns arranjos pro disco da Sara", disse Mihanovich.

Ao observar os arranjos de Alexandre, o trompetista Walmir Gil -provável participação na gravação do disco da Sara Teixeira, na época - recomendou a formação original da big band. Após Walmir fazer um ensaio na casa do Wilson para apenas " dar uma passada" no arranjo, o guitarrista "tremeu". A partir dessa experiência, Mihanovich começou a escrever para big-bands.

"Devo dizer que, na minha opinião, minha escrita de big bands não é das melhores, pois eu nunca estudei o tanto que precisava. O que eu tenho, e tinha antes de me meter com big bands, é a linguagem do jazz, e isso compensa uma escrita que aqui e ali poderia ser melhor, mais equilibrada, mais "certa". Mas há controvérsias...", declara o guitarrista.



Mendigo Records



"Onde houver dinheiro, haverá corrupção", declara o músico. Logo, Mihanovich não quer dizer no sentido de crime, mas no mal uso da moeda e na sua imposição. Para gravar, chamar músicos, técnicos e produzir um disco num estúdio é preciso de verba financeira, e para reaver o dinheiro tem que vender muito. Graças a esse sistema, todo o mundo da arte e da música, a meu ver, está corrompido além de qualquer salvação


"O planeta se transformou numa enorme "firma" onde não há mais pessoas, mas sim "produtos" que precisam se "vender" para obter "lucro". Toda a linguagem é a linguagem da firma, da corporação, e todas as áreas da vida forma inundadas por essa ideologia, logo como fazer música, ou qualquer arte, realmente sem compromissos, livre e criativa? O que existe hoje no mundo é só uma aparência suficientemente convincente de arte e de música, mas uma análise superficial já mostrará que é apenas comércio, e ainda mais, que só o que pode existir hoje é o comércio, pois a economia de escala impõe vendas monstruosas, ou a "firma" vai à falência.", disse o guitarrista.


"Quanto mais a firma tenha que vender, mais popular a música deve ser.", disse o guitarrista sobre o efeito do capital sobre a música . Para Mihanovich, ao tentar fazer uma gravadora de qualquer formato perceberá a existência de um único caminho onde é seguido pelas grandes e pequenas empresas.


Durante conversas com o músico Benjamim Taubikin, num restaurante em São Paulo, Alexandre entendeu mais ou menos o funcionamento do processo onde o fim cai sempre no mesmo lugar: O bottom line - a venda.


"Sem lucro não há negócio, e a arte hoje, assim como tudo o que existe, foi transformado exclusivamente em negócio. Apenas negócio. A música sempre foi negócio, já sabemos, mas era "também" negócio, e haviam outros caminhos, mais livres, mais revoltados, pois uma gravadora podia existir com um mercado pequeno de amantes daquela arte específica. Hoje ninguém consegue subsistir sem vender um zilhão de cópias, a menos que conte com o "apoio" de alguém. (É sabido que o que mantém a música clássica é a música pop). Aprentemente na época mais livre da história, com a internet e tudo mais, na verdade só há um caminho, na minha opinião porque as cabeças são uma só, as idéias são as mesmas e seguem as mesmas regras, variando apenas a aparência.", disse o músico.


Para o guitarrista a era mais "diversificada" é, na verdade, a mais reacionária e "diversificada" é unificada numa única ideologia com várias caras. A decisão de Alexandre foi: Tirar o dinheiro. "Quem é mais livre que o mendigo?", indaga o guitarrista. Parece poético a visão do músico com relação a formatação de uma gravadora.


Enfim, surge a Mendigo Records, onde em seu começo "vendia" CD's e iria contra os princípios de Mihanovich. Hoje a gravadora não vende,apenas dá, sem custo algum as músicas e os arquivos podem ser baixados no site da mendigo.



"Esse é o sistema que eu imaginei; fazer música livre e dar de graça, e as pessoas que quiserem ajudar, dão esmolas e doações. Mas mais uma vez dei de cara com o velho sistema. Pra receber doação pelo PayPal, por exemplo, tem que ter cartão de crédito, e eu não tenho, e aí mais uma vez se vê o sistema te empurrando praquele único caminho. O resultado musical foi excelente, mas quase invisível, e isso não foi nenhuma surpresa pra mim.", disse Mihanovich.



Alexandre considera as músicas dos 12 CD's produzidos pela Mendigo de ótima qualidade, mas poderia ser mais criativa e livre. Grandes artistas como Alex Buck, Michel Leme, Arismar do Espírito Santo, Thiago do Espírito Santo, Thiago Alves estão no "casting" da gravadora .



"A coisa mais experimental que eu fiz foi o disco de trio com o Arismar do Espirito Santo de bateria e o Tiago do Espirito Santo de baixo, onde tocamos o que viesse na mente por 40 minutos. Isso foi interessante, mas precisaríamos fazer muito mais disso. Treinar a nossa própria liberdade, que pensamos ter, mas não temos.", disse o guitarrista.

Segundo Mihanovich, não houve qualquer interesse da mídia e ele não sabe o que dizer pois se considera um péssimo publicitário. " Fiz música pra propaganda minha vida toda, mas não sei nada de como propagar uma idéia. E não acho que é uma idéia viável pro "sistema" vigente. Será interessante, mas apenas como experimentação, ou algo curioso e amador que "esses caras" fazem no porão de um amigo, nada mais. O interesse das pessoas pela idéia é tremendo, o que mostra que está todo mundo realmente de saco cheio da globalização e de toda essa balela corporativa. Mas estamos presos."disse o músico.



Música instrumental?

"Puxa Vida,Perguntas complexas ! ",disse Mihanovich sobre a musica instrumental paulistana. O guitarrista devolve duas perguntas onde cabe uma reflexão para todos os paulistanos e brasileiros apreciadores da música: " O que é música instrumental? É apenas música sem voz?"


Para Alexandre o termo engloba muitos estilos musicais.Logo, o músico gosta de tocar jazz e para ele a música instrumental foi corrompida."Hoje é sinônimo de qualquer coisa acústica ou não que contenha qualquer tipo de improviso", desabafa o guitarrista.

Mihanovich define o jazz como uma "lingua" e nunca cansou de declarar sobre a pequena quantidade de pessoas que o conhecem a fundo."Nós, a turma desse quinteto e mais alguns, conhecemos um pouco essa língua, mas lamentamos perceber que para as pessoas em geral não há muita diferença entre o que nós tentamos fazer e o que um monte de outros grupos fazem bastante mal, logo temos só um lugar na fila e temos que esperar nossa vez, por isso só tocamos uma vez a cada dois meses", disse o guitarrista.

Há muita gente e é preciso dar espaço para todos. Logo, para Alexandre é uma questão bem complicada. O músico não reivindica um lugar privilegiado,"... merecemos ter o mesmo valor do "Cruz Credo jazz group"?", mas por ser um país democrático, todos devem participar e sem privilégios.

Logo, na visão de Mihanovich a "abertura" para a música instrumental ela é previsível e limitada.Para o músico é mais uma aparência exclusiva a um certo "tipo" de estilo musical num entorno onde funciona na base do "quem se conhece" ou a velada hipocrisia nunca mencionada por ninguém, mas todos conhecem bem.

"Parece ser um sistema controlado e limitado; se o "artista" não se adequa a esses limites, não será considerado - tudo numa boa.", desabafa o guitarrista.

"Por exemplo, meu quinteto já foi considerado várias vezes como "o melhor som da casa, disparado", mas nunca fomos convidados a participar de um festival de jazz, ou mesmo pra fazer uma apresentação numa daquelas casas grandes de "jazz". Esses lugares e festivais são reservados a "gente importante" e grupos do exterior, não pra nós. O próprio público desses lugares já parece ser formatado ao ponto de esperar sempre algo impressionante e provavelmente bocejariam com nosso som; improvisos muito longos, ninguém com cabelos verdes, nenhum americano de chapéu etc. Quanto aos bares de musica ao vivo, temos o lugar na fila e tocamos uma vez a cada morte de papa. Quanto ao público, as pessoas sempre gostam muito, mas como eu disse, parece que elas gostam de qualquer coisa.", desabafa Mihanovich.

Um exemplo disso foi quando tocou com amigos na frente de uma bar em SP. Alexandre e o seu grupo fizeram um "puta som", foi realmente muito bom, de alto nível e as pessoas na rua aplaudiram muito.


Em seguida um outro grupo entrou e começaram a tocar uma coisa lamentável.Segundo Mihanovich,as pessoas aplaudiram com a mesma intensidade. "Para elas qual é a diferença entre os dois sons? São só diferentes, ambos "muito bons"", disse o músico.


Para o artista, houve uma diminuição brusca do espaço devido ao aumento do número de "artistas". "Para o "negócio", the music business, é muito melhor ter 300 Johns Coltranes do que um só, não é? Como não se pode produzir 300 Coltranes, baixaram a percepção das pessoas e agora podem vender o que parece ser 300 Coltranes no lugar de um. Muito mais lucro! Enfim, ou temos que ser amigos de alguém influente no mundo da firma da música, ou esperamos nossa vez na fila.",disse o guitarrista.

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